Granada é?
Muito mais que Alhambra!
Desde que chegaram à
Espanha, quando contavam dos ingressos comprados para conhecer a Alhambra,
ouviam a frase-conselho-mantra “Granada é muito mais que Alhambra”. E elas,
seguindo o conselho-mantra, ficaram felizes ao descobrirem as “rutas do vino
granadino” no entorno da Serra Nevada. Era só escolher o que ver e degustar, o
que significava consultar seu guia cibernético – sempre ele, o google.
Escreveram “ruta vino bodega cerca de granada”. No primeiro resultado da
consulta encontraram duas bodegas de vinho natural. E lembraram de uma
reportagem sobre vinhos biodinâmicos no Vale do Loire, que as tinha encantado.
Animadas, refinaram a pesquisa para saber mais das bodegas encontradas e
descobriram que eram referência na produção de vinho natural na Espanha.
Já bebeu vinho natural?
Não, que eu me lembre. Já bebi artificial.
Sangue de Boi. Mas isso é passado.
Era hora de aprender e
provar vinhos naturais. E agendaram visitas às bodegas Cauzón e Barranco Oscuro
nos dois dias que ficariam em Granada.
No caminho para a
Bodega Cauzón, a grandiosidade da Serra Nevada foi um aperitivo que já valeria
qualquer que fosse o resultado da visita. Chegaram ao destino apenas com o
endereço no GPS e concluíram que a vida antes e depois do GPS merecia um filme,
disse uma das visitantes, lembrando da época que viajar de carro por lugares
desconhecidos era uma mistura heterogênea de mapas indecifráveis, perguntas a
estranhos nas ruas e estradas, orientações redentoras, dedos cruzados para
pegar a saída correta da rotatória, suor frio e comemoração quando chegavam ao
seu destino.
A bodega Cauzón é um
sobrado que compartilha o terreno com uma casa, onde Ramón Saavedra Saavedra, fabrica
os vinhos Cauzón. A estrutura da bodega não é muito diferente de outras bodegas:
equipamento para maceração das uvas, tanques de aço inox para fermentação, tudo
organizado, limpo e refrigerado. E ele sintático, disse-lhes ali, “a bodega é
isso aqui”, uma introdução para uma explicação didática do que é vinho natural.
O vinho começa a ser
produzido na terra. Se o solo é mantido saudável, sem química, suas características
são preservadas – que nada mais é do que o terroir. E se houver sol e chuva na
medida, as videiras produzirão frutos concentrados e saudáveis. Depois de
colhidas manualmente as uvas são maceradas e colocadas em tanques de inox para
que fermentem com suas leveduras naturais. Sem correções, sem outras leveduras,
sem sulfitos. Depois esse líquido vai para a garrafa ou para um estágio em
barrica de carvalho. É assim que são feitos os vinhos da bodega. Naturalmente.
Poderia ter falado das
características do solo, da altitude de 1000 metros, da idade das videiras, das
uvas que exigem uma passagem por barrica, dos cortes mais comuns. Sabiamente, forneceu
apenas as informações necessárias para que cada uma das visitantes as encadeasse
com seus conhecimentos e desconhecimentos. E elas devolveram: vinho natural é o
sumo das características do lugar. Ramón sorria. Ele já não apenas informava,
ele comunicava-se com as visitantes.
Algumas fotos depois,
desceram para o subsolo, onde ficavam as barricas de carvalho e as garrafas de
vinho engarrafado, e onde, efetivamente, fariam a degustação. Cartazes de
feiras e eventos de vinho natural que já aconteceram estavam colados em uma das
paredes. E as visitantes lembraram das
paredes de seus quartos de adolescentes, repletas de cartazes colados. Cartazes
de exposições, de shows, de filmes, de cantores, de atores. Dos eventos e das
pessoas que marcaram suas vidas e que mantinham em suas paredes para não
esquecer.
O primeiro vinho que
provaram foi um Mozuelo 2014, 100% garnacha. Direto dos tanques de inox para as
garrafas. Ramón, enquanto apreciava seu
próprio vinho, observava as visitantes com suas taças, pois conhece o efeito
dos seus vinhos nas pessoas. O Mozuelo tinha arrebatado as visitantes, era
visível. E elas não se preocuparam em falar dos aspectos visuais e olfativos.
Relataram uma sensação diferente na boca: de não haver resistência de seus
corpos ao vinho. Como se não houvesse atrito entre um pneu e a estrada para
fazer um carro parar. E antes que elas achassem que a explicação fora muito
hermética, Ramón emendou: é natural, não tem química, o corpo não reage. E explicou
que desde que 1999 cuidava do vinhedo sem química. E a terra vem devolvendo o
bom tratamento, produzindo uvas saudáveis e concentradas. E elas entenderam o
que sentiam. E beberam o restante do Mozuelo em suas taças. Descartar nem
pensar! Depois provaram o Pinot Noir, que passou em barrica. Uma cor surpreendente.
Limpo e elegante. Em seguida Ramón abriu o Duende, 100 % Shiraz. Que vinho
fantástico. Ramón orgulhoso diz que foi elaborado com muito capricho. Os três vinhos
provados tinham um sabor que elas ainda não haviam sentido. Era tudo muito
intenso, mas ao mesmo tempo suave. E conversaram. Muito. Sobre os aromas e
sabores limpos. Do despertar de papilas gustativas. Sobre como proteger as
vinhas sem pesticida. Das facilidades do uso da química para acertar qualquer
aspecto que saia do padrão que o bodegueiro espera do vinho. Que o vinho
natural valoriza o terroir, pois expressa o que há na terra. Das diferenças
entre vinho orgânico e natural. Das tentativas de regular a produção de vinho
natural. Que toda e qualquer garrafa de vinho pode resultar boa ou não. Dos
rótulos feitos por um brasileiro. E enquanto isso bebiam. E cada vez sentiam-se
mais leves. E aí, então, Ramón deu-lhes o golpe final e serviu seu Cauzón
Blanco. Um corte de sauvignon blanc,
viognier e torrontés, que elas elegeram como seu preferido. E elas juraram que
estavam ouvindo o ABBA cantar Dancing Queen .
“You can dance, you can jive
Having the time of your life”
Estavam ali pelos vinhos, mas o homem atrás do balcão, onde
apoiavam suas taças, dissecava o prazer de fazer e beber vinhos em pensamentos
simples. Disse que deveríamos brindar aos que amam o que fazem. Que fala o que
faz e que faz o que fala. Que era cozinheiro e como tal aproximou-se dos
vinhos. Que um dia quis mudar de vida. Na equação da transformação entraram os
vinhos, voltar a viver em Graena, de onde tinha saído jovem para trabalhar, um pedaço de
terra que já possuía e poder lidar e valorizar a natureza para ter bons
produtos. O resultado é que passou a fazer vinhos com o que a terra lhe
oferecia e lhe ensinava, assim como ofereceu a terra seu trabalho, sua
dedicação, seu tempo. Que vinho natural é filosofia de vida.
A visita estava sendo maravilhosa, mas não parou o tempo. Elas
tinham que voltar para Granada ou perderiam a visita noturna à Alhambra. Hora
de ir embora. Sem ver os vinhedos – 4 hectares na face norte da serra nevada –
pois não havia mais tempo. Com algumas lembranças engarrafadas, as visitantes partiram.
Ramón tem atitude – largou a vida de cozinheiro estrelado para
fazer vinho. O vinho que ele, Ramón, faz é natural. Logo fazer vinho natural é
uma atitude diante da vida. Por isso que vinho natural é filosofia de vida. Lógica
pura.
Tudo o que você disse é verdade. Mas essa sua sentença lógica...
Parece algo como: o samba é uma dança
brasileira e eu sou brasileira, logo eu danço samba.
Essa, definitivamente, é uma falácia! Você não dança nada!
Nenhum comentário:
Postar um comentário