quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A paisagem através de uma taça de vinho

A arrumadeira me entregou uma balança? Você pediu?

Não pedi nada. Talvez faça parte do mobiliário...

Parece uma provocação depois dos bifes de porco preto que comi ontem.

Do porco preto, do caranguejo, da garrafa de Pera-Manca, das rabanadas...

Paula coloca a balança no chão. Danuza sobe na balança.

Já ganhei 3 quilos desde que cheguei em Portugal!

Como é corajosa. Parabéns. Mas, não adianta me provocar: eu não vou me pesar! E não vou deixar essa balança ficar me intimidando! – e guardou a balança dentro de um armário.

Quando estou viajando prefiro não saber se estou engordando.

Mas aquela calça jeans estufada que você usou ontem sabe...

Paula olha Danuza com raiva.

Comer e beber vinho em Portugal não é uma opção, é uma obrigação. Estamos cumprindo nosso papel de turistas.  É uma maneira de entrar no cenário e apreciar a paisagem de um referencial privilegiado. Para isso come-se por oportunidade, por obra do destino, por sorte e não por necessidade...

Paula interrompe a amiga.

Já estou convencida! E hoje para onde vamos?

Marquei um passeio de caiaque. Um programa diferente. Nada de museu, igreja ou vinícola.

Mas nunca andei de caiaque. Não sei se consigo...

Fica tranquila. Não seremos avaliadas para as olimpíadas. É um passeio.

Quando chegaram à barragem de Alqueva, de onde partiriam de caiaque, ficaram felizes com a aposta num programa diferente. A paisagem do Alentejo vista da margem de um rio numa manhã ensolarada é de tirar o fôlego. E o guia, um português agradável e simpático, lhes deu as instruções básicas para manobrar o caiaque.

Seria melhor se cada uma tivesse seu caiaque, disse Paula.

Talvez. Mas alugar um caiaque para duas pessoas custa menos que alugar dois caiaques.
Como não havia opção, entraram no caiaque. Paula na frente, Danuza atrás. 

Nas duas horas seguintes Paula e Danuza remaram. Em círculos, em zigue-zague, às vezes em linha reta. E meio sem controle encalharam em pedras, em montes de areia, em algas. Engancharam-se em galhos de árvore. Descobriram que não é possível frear um caiaque, quando se rema para trás. Trocaram de lugar duas vezes. E discutiram por cada movimento errado, por cada pingo de água que caía dentro do caiaque. E por todas as vezes que Danuza ignorava as ordens de Paula, que acreditava que era a comandante da embarcação. O guia, do seu caiaque, de uma distância segura, indicava os pontos a serem observados no passeio e não interferia na condução do caiaque duplo.

Terminaram o passeio com o corpo moído. Estavam cansadas e encharcadas e prometeram jamais viajar juntas novamente. Trocaram as roupas molhadas, cada qual atrás de moitas distantes.

Adiante, embaixo de uma árvore, uma toalha estendida com pão, presunto, queijo e vinho.

Tudo do Alentejo. Presunto de porco preto, pão alentejano caseiro, queijo de leite de ovelha e uma garrafa de vinho Pêra-Grave tinto. - disse o guia.

O vinho é parente do Pêra-Manca?

Parente, com certeza! Os dois são dessa zona de Évora que é conhecida pelas pedras de granito oscilantes, espalhadas pelo terreno das vinhas, que balançavam, mancavam nos barrancos, as “pedras mancas”. Daí ter surgido, há muito tempo, o “Pêra-Manca”, o vinho mais famoso das terras de Pêra-Manca, e que leva o nome da área. Mas não é o único. Nas terras de Pêra-Manca está a Quinta de São José de Peramanca, que produz o Pêra-Grave. O Pêra-Manca é produzido pela Adega da Cartuxa.

O vinho, um líquido vermelho escuro e bastante denso, foi o primeiro a ser atacado.

Os rostos franzidos de Paula e Danuza foram relaxando. E antes do final da taça que cada qual bebia, já esboçavam um sorriso. Comeram o presunto de porco preto, o queijo e o pão. Beberam toda a garrafa de vinho. Sem pressa. Largadas na grama. E não ligaram sequer para a boiada que passava fazendo poeira.

Que tal o passeio? – perguntou o guia

Maravilhoso! Que lugar lindo. Um rio tão limpo. O melhor passeio que já fiz em Portugal.

Também achei. Exceto pelo caiaque duplo. Nas atividades em grupo é que se conhecem as pessoas.

Paula não ignora a provocação.

Mas eu achei tudo maravilhoso. Até remar no mesmo caiaque com você!

Danuza olha para amiga intrigada.

A culpa é do Pêra-Grave. Do terroir das terras de Pêra-Manca, que permite produzir um vinho concentrado de boas lembranças do Alentejo. Quando bebido elimina lembranças desagradáveis. Só deixa as imagens e os sabores de Portugal na memória.

Teoria interessante...

Não é teoria. É um fato! Depois que bebi uma taça só tenho boas lembranças de você. Poucas, mas boas lembranças...

O guia tenta amenizar o clima entre as amigas e intervêem.

Remar é um trabalho de equipe. Discutir, às vezes, é necessário para chegar ao resultado. Já aconteceu outras vezes, quando usam caiaques duplos. Mas não vão brigar por isso, vão?

As duas não respondem. Ele insiste.

Então meninas, ainda amigas?

Sim. Desde que não falte Pêra-Grave! – respondeu Danuza. 

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