sexta-feira, 17 de julho de 2015

Bodega Andrés Diaz

A vida depois da internet é ostensiva. Até para os não iniciados. Sabendo o que buscar, pode-se ter uma indicação do caminho a seguir.
Pois eu prefiro ser como a Alice: ”se você não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Vou para onde o nariz apontar!
Sei... Desde que alguém vire o seu nariz para a direção certa. Mas, como ia dizendo, deixa eu conversar com o meu guia cibernético: vino, ruta, madri e enter.
O google sempre vai responder alguma coisa. Com essa combinação de palavras deve apresentar uns 500.000 resultados...
674.400 para ser mais precisa. Mas o que importa é que o primeiro endereço é Madrid Rutas del Vino | Vinos de Madrid. Um clique e vamos descobrir onde estão  os vinhos de Madri.
Deveriam estar aqui em Madri! Talvez não tenha andado pelos lugares certos, mas só encontro Rioja, Rueda, Ribera.
No site descobriram que existe uma denominação de origem Madri, criada em 1992 para agregar os vinhos produzidos no entorno de Madri. Lá foram apresentadas às regiões e suas respectivas bodegas. Nas páginas das bodegas, encontraram as visitas e degustações que procuravam, e que deveriam, num mundo organizado e civilizado, ser agendadas. Era o que deveriam fazer, se tivessem tempo. Mas não havia tempo: partiriam de Madri no dia seguinte. Desânimo? Não! Apontaram seus narizes para a tela do smartphone e escolheram uma bodega.
Vamos sem marcar. Risco calculado. A pior situação: não nos receberem ou não encontrarmos a bodega. Nesse caso conheceremos a cidade, a localidade, a plaza. Sempre haverá uma Plaza, uma Catedral e um restaurante típico. Diversão garantida.
Decidiram ir para Navalcarnero – uma escolha quase aleatória, não fosse a cidade mais próxima de Madri daquelas relacionadas no site das rotas de vinhos de Madri – de ônibus, pois não queriam acrescentar as possibilidades decorrentes de dirigir um carro num local que não conheciam ao tal risco calculado. Mapearam o endereço da bodega Andrés Diaz no aplicativo maps do smartphone e partiram. Pouco mais de uma hora depois estavam de frente para a Bodega Andrés Diaz, que estava aberta. Entraram por uma grande porta, dessas que permitem a carga e a descarga de caminhões. Marco não demorou a aparecer para atendê-las. Contaram de sua recente descoberta dos vinhos de Madri e que vieram à Navalcarnero para conhecer uma bodega dessa denominação de origem e provar seus vinhos. Marco, atencioso, lhes disse que sua irmã Maria iria atendê-las. Gentil, argumentou que ela, sua irmã, apresentava a bodega muito melhor que ele. Maria contou que sua família produz vinhos há 5 gerações a partir de uvas de vinhedos próprios. Sempre venderam a granel. E ainda vendem. Há alguns anos, ela e o irmão decidiram assumir a bodega, introduzindo algumas melhorias no jeito de fazer vinhos da família e passaram a engarrafar seus vinhos para poder distribuí-los melhor. Na Bodega Andrés Diaz os vinhos são elaborados de forma espontânea e natural, utilizando tanques de cimento para a fermentação, que é a maneira como sua família sempre fez vinho. E nos explicou porque ainda usam cimento. O mosto em fermentação num tanque de cimento, que tem um grau de porosidade, é oxigenado em doses micro em função dessa porosidade, que é uma das condições para dar uma boa estrutura para o vinho. O cimento dispersa o calor melhor que o aço inox - eles ganham com a economia de energia para refrigeração.
Foram para a parte mais alta do galpão, onde se acessam as bocas dos tanques de fermentação. Maria destampou o tanque onde um mosto de garnacha fermentava, afastou a camada de leveduras e encheu algumas taças de vinho. O vinho parecia perfeito. Maria, cumprindo seu papel de dona da bodega, aproveitava para dar uma boa analisada no vinho. As visitantes hipnotizadas com a experiência emudeceram. Um contato em primeiro grau daquela natureza com o vinho exigia uma nova palavra na língua portuguesa, como aquelas palavras gigantes que existem em alemão para sintetizar o significado composto para uma única coisa. E as visitantes disseram baixinho: torporprazerdescemacioexperiênciainesquecívelsabormaravilhosonãovouesquecerjamaischeirodeespanhaagoragarnachaéminhapreferidapossobeberatésemcomermascomcarnedeveserótimo.
Maria compenetrada continuava a falar dos vinhos, das uvas. Diz que fazem vinho, muito mais pelo conhecimento que tem da vida no campo e em bodegas, do que por sua formação. Vão errando e acertando, aprendendo com o vinho a fazer vinho. Ela fala da  sua vida, que é a vida da bodega, que é a vida da família. O que se ouve não é um discurso padrão encenado para visitantes.
Depois de beber os vinhos direto dos tanques de fermentação era a hora de bebê-los das garrafas. E Marco e Maria abriram garrafas do   vinhos dÓrio Garnacha Cepas Viejas,  Tempranillo e Cabernet Sauvignon. Todos varietais -100% da casta. Este é aquele momento da visita em que, espera-se, seja executado uma espécie de ritual onde o vinho é analisado visualmente, olfativamente e gustativamente. Mas isso não aconteceu. Quanto mais vinho era servido, mais ele deixava de ser o protagonista para estar como coadjuvante nas taças que todos empunhavam. Como um anfitrião elegante e discreto conectou seus convidados – as visitantes, Maria, Marco – deixando que engrazassem suas falas numa conversa variada e animada. Falaram da Espanha, de trabalhar em família, da rotina de uma bodega e de como é conhecer um país através de uma garrafa de vinho. Na hora de partir, beijos, abraços, e-mails e telefones trocados. O vinho da Denominação de Origem Madri agora tem o rosto de Maria e Marco.
Para prolongar uma pouco mais a experiência que tiveram na visita à bodega, as visitantes foram experimentar a paleta de carneiro com o vinho Dório Tempranillo. Almoçaram num restaurante que fica numa das muitas cuevas de Navalcarnero.
No ônibus de volta para Madri, antes que o sono as arrebatasse desse mundo, guardaram cuidadosamente o smartphone, o instrumento que lhes permitiu não só descobrir a bodega, mas chegar até ela.
A tecnologia transformou a vida do viajante contemporâneo. Mas a motivação para deslocar-se pelo mundo é a mesma de viajantes do passado: sentir, ao vivo,  o que sentem as pessoas do lugar, beber o que bebem, comer o que comem, andar e ver por onde andam. A tecnologia transformou uma bodega familiar. Mas, na bodega familiar o vinho sempre terá a marca da família. As visitantes aceitam seu legado de viajantes. Marco e Maria aceitam o legado de sua família.

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